A assembleia dos docentes da UFABC de 19 de março de 2024 deliberou que a diretoria da ADUFABC redigisse, a partir de uma proposta previamente apresentada, uma Carta pública em defesa da democracia e da universidade pública. A deliberação da assembleia é que esta carta seja amplamente divulgada e que os/as professores/as que quiserem a leiam em voz alta para suas turmas em sala de
aula, bem como no início de reuniões formais de colegiados, plenárias e outros órgãos colegiados.
Carta aberta “Em defesa da Democracia e da Universidade Pública”
Em 31 de março e 1º de abril de 2024, completam-se 60 anos do golpe civil-militar que derrubou um governo progressista, encabeçado pelo presidente João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro.
O que veio depois do golpe foi uma ditadura, que durou até 1985, causando imensos prejuízos para a maioria do povo brasileiro. Um dos alvos prioritários da ditadura, como sabemos, foram as universidades públicas e a ciência nacional. Data da ditadura a Reforma Universitária de 1968 que inaugurou o processo de privatização do sistema nacional de ensino superior, desde então, majoritariamente privado. São marcas desse regime, também, a perseguição, assassinato e tortura de membros da comunidade universitária, à semelhança do que acontecia em outros espaços. Perseguiu-se a dissidência política e tentou-se interditar o pensamento crítico.
A sociedade reagiu. A ditadura não foi derrubada, mas foi derrotada. O primeiro presidente civil tomou posse em 1985, uma Constituição foi promulgada em 1988, voltaram a ocorrer eleições diretas em todos os níveis.
Apesar da volta das liberdades democráticas, nenhum golpista foi punido, nenhum ditador foi julgado, assim como seguem impunes os militares que – por orientação e em muitos casos por ordem direta dos presidentes-ditadores – prenderam, torturaram, mataram e desapareceram com os cadáveres de centenas de brasileiros e brasileiras.
A impunidade contribuiu para que, entre 2016 e 2022, a extrema direita e as forças armadas arquitetassem para um novo golpe, desta vez contra a presidenta Dilma Rousseff. Ato contínuo vieram a prisão e a interdição eleitoral do então ex-presidente Lula e a consequente eleição de Jair Bolsonaro.
De novo, as universidades e o conhecimento viram alvo. E, mais uma vez, as universidades mostram que são espaços importantes de resistência democrática. Fomos perseguidos e desrespeitados por governos antidemocráticos que não prezam pela pesquisa científica. Fomos ameaçados por setores da sociedade negacionistas e contrários ao pensamento crítico. E em nenhum momento nos acovardamos. Passamos anos sem aumento de salário, lutando para garantir o financiamento do sistema público de ciência, tecnologia e ensino superior, para garantir a liberdade de pensamento e crítica e para defender o conhecimento e a democracia.
Em 1964, como em 2016 e 2018, não se tratou apenas da ação de indivíduos. A instituição Forças Armadas se envolveu ativamente no ataque frontal à democracia. Assim como se envolveu, direta e indiretamente, na intentona golpista de 8 de janeiro de 2023.
Por todos esses motivos, a passagem de mais um aniversário do infame golpe de 1964 deve servir de mote a uma reflexão profunda de todas as pessoas que defendem as liberdades democráticas.
Para que “nunca mais” não seja apenas uma palavra de ordem, neste aniversário de 60 anos do golpe de 64 não devemos esquecer o ocorrido tantas vezes em nossa história.
Não haverá liberdades democráticas no Brasil, muito menos uma “democracia”, enquanto persistir a tutela militar sobre a sociedade civil, enquanto a tortura não for definitivamente banida, enquanto as Polícias Militares tiverem licença para matar, enquanto o artigo 142 da Constituição continuar prevendo a possibilidade de intervenção militar, enquanto o golpismo seguir impune. Por isso afirmamos: Golpe nunca mais, sem anistia!
Especialmente para nós, professores e professoras, é essencial preservar as liberdades democráticas, dentre elas, a liberdade acadêmica, de crítica e pensamento.
E é nesse ambiente, que hoje vigora no país, que tomamos a liberdade de chamar a atenção do governo e da sociedade para os efeitos negativos dos cortes orçamentários e do reajuste zero, ambos resultados do Novo Arcabouço Fiscal. O orçamento do CNPq e da CAPES em 2024 serão menores do que em 2023. As universidades federais não conseguiram recompor seu patamar de custeio e investimento anterior a 2016. Técnicos e professores enfrentam um histórico de desvalorização salarial que afeta a própria estrutura de suas carreiras.
Por todos esses motivos nós, professores e professoras da UFABC, associamos nossa voz a todos e todas que, ontem como hoje, defendem a democracia e a universidade pública!
E convidados toda a comunidade UFABC, em particular nossos colegas professores e TAs e nossos estudantes, a se engajarem ativamente em todas as atividades nacionais de memória e repúdio do Golpe de 1964 e defesa da democracia, a começar pelo Ato que acontecerá, na nossa universidade, na noite de 02 de abril: “Não esquecer, para nunca mais acontecer”!
Golpe nunca mais, sem anistia! Viva a universidade pública!
Viva a democracia brasileira!
Santo André/São Bernardo do Campo, 19 de março de 2024.
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